Escritor da Depressão

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    Herbert Joule (Novaya O Legado; Trecho)

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    Herbert Joule (Novaya O Legado; Trecho) Empty Herbert Joule (Novaya O Legado; Trecho)

    Mensagem por Novayan_ Sáb Set 13, 2014 2:07 am

    [...]

    Herbert Joule encarnara prodigiosamente o espírito da última das Eras da raça humana. Todas as mentiras, enganos, subterfúgios dos mais diversos planos, copiosamente encontraram terreno fértil em sua mente brilhante, porém ingênua de cientista. Não que não soubesse destas armadilhas, mesmo a ingenuidade mais insípida esmorece frente às lições que o tempo inspira, mas Herbert simplesmente precisava crer num mundo mais brilhante, diferente, mesmo uma linda mentira era preferível a sua horrível verdade.

    E que verdade.

    Sua juventude passara diante de seus olhos sem marca-lo com nenhuma conquista verdadeira; sem amizades, saudades, razão. Vivera de forma contrita, falsamente esperançosa, aguardando suas insidiosas promessas e alternando o presente por um futuro igualmente ausente e passivo.

    Esperava um chamado do suposto Universo.

    Media dois bons metros de altura, e nunca fora capaz de compreender como seus pais puderam empilhar tamanha covardia e desilusão em um único ser. Passou pela fase de menino, estudou e gozou da vida seus horrores, fantasiou na adolescência com a morte e resignou a sorte a própria felicidade e caminho.

    Aos 45 anos encontrou a trilha que seguiria até os momentos finais de sua vida. É claro que até então não sabia, como poderia? E seu falso senso de esperança o impedia há muitos anos sequer imaginar seu fim.

    Ouvia sempre sua voz rouca repetindo seu mote: “O que torna especial a vida é a morte”. Como cientista, procurou em sua mente aflita e perdida no silêncio da madrugada, de sua cama, de sua casa, uma teoria que justificasse todas as agruras pessoais e também as futuras.

    Imaginou como o Universo havia concebido a morte e a Entropia. Uma forma de constantemente recombinar e dar nova forma as coisas. O Universo às vezes parecia-se de fato com uma entidade, indagando a si mesmo e aos seus habitantes, vivos ou não, o segredo da Eternidade. Fora uma pergunta a muito tempo exprimida, e mesmo depois de quase 15 bilhões de anos, o Universo pacientemente aguardava a resposta.

    Ele incinera o Velho e das cinzas, literalmente, fomenta o Novo. O novo que poderia enfim estabelecer um reino áureo e coeso, resignando para sempre a morte e o frio. Gerações se passavam, Eons cediam e outros se levantavam, mas a resposta permanecia ausente.

    “O Universo acabará comigo”; pensava, “mesmo os meus átomos serão recombinados, e todo o trabalho dedicado de uma vida: obliterado”. De todas as vidas, de todas as formas, até que enfim consigamos conceber a fatídica resposta.

    Herbert resfolegou desconsolado. O relógio acusava sua insônia, enquanto em seus olhos resignavam o medo pernicioso. Aquela altura a sede lanhava-lhe a garganta, mas a escuridão dos corredores era demasiadamente opressora; não era nem mesmo capaz de se erguer em busca de água. Mirava por sob a janela o céu negro e profusamente cintilante, aquelas estrelas longínquas o observavam a cada instante, igualmente desgostosas por um dia ter de recebê-lo. Fraco, covarde, patético, quem haveria de aceitá-lo? Mal alcançava os degraus da escadaria, quanto mais os do firmamento.

    Insano.

    Orientava-se pelos movimentos cinéreos das nuvens acima, pelo azul pálido das estrelas sobre o horizonte. Guiando-se sem norte, como os passos dados sobre as mesmas ruas sem Vida.

    O que esperar da noite?

    [...]

      Data/hora atual: Sex Mar 29, 2024 4:55 am