CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Doppelgänger é uma história com o objetivo primário de manter aquecido a minha escrita criativa e inibir um forte desejo perfeccionista de reestruturação da narrativa, algo que ocorre frequentemente em outro livro que venho escrevendo há anos. Por essa razão, os capítulos publicados possuem boa probabilidade de conterem erros de escrita ou de estrutura (quem saberá disso serão os leitores), ou seja, eles não passam por aquela lapidação rígida de um escritor que tem extremo zelo com o seu trabalho. Eu simplesmente escrevo, realizo algumas revisões e publico. Como mencionei anteriormente, isso me ajuda a não mexer muito no texto, pois tenho a mania de catucar aqui e ali e nunca deixá-lo pronto (afinal, estou escrevendo um livro, se considerando todas as versões já feitas, há mais de 4 anos). Preciso dizer também que a narração em primeira pessoa no tempo presente e ainda feita por um adolescente de quinze anos, de certa forma, é muito complicada para adequação da linguagem ao narrador. Nesse caso, eu me despido um pouco de literariedade e procuro desenvolver a narração de maneira simples e mais próxima ao coloquial. Obviamente, daqui a algum tempo, irei dar um tratamento mais específico ao texto quando acabar a história. Por essa razão eu peço a opinião de leitores sobre a qualidade do texto nesse aspecto.
Obs: D.Ventura é um pseudônimo exclusivo para esta história.
SINOPSE
"Eu quero sair. Me deixe sair. Me deixe existir. Me deixe despertar."
Misteriosos eventos sobrenaturais acompanham o primeiro dia de aula em Ventura, um colégio já renomado pelo seu repertório de lendas urbanas. O calouro Léo Ventura, 15 anos, além de enfrentar os problemas comuns de alguém que tenta se adequar numa nova escola, se depara com estranhos fenômenos que se arrastam por todo o dia de aula, o que inclui um enigmático cartão dado a ele por um pássaro negro. No verso desse cartão, uma combinação com oito zeros; na frente, o verbo "despertar".
CAPÍTULOS
Prólogo
Capítulo 1 - Nova Escola
Capítulo 2 - Chegada aguardada?
Capítulo 3 - Bem-vindo, Ventura
O Doppelgänger é uma história com o objetivo primário de manter aquecido a minha escrita criativa e inibir um forte desejo perfeccionista de reestruturação da narrativa, algo que ocorre frequentemente em outro livro que venho escrevendo há anos. Por essa razão, os capítulos publicados possuem boa probabilidade de conterem erros de escrita ou de estrutura (quem saberá disso serão os leitores), ou seja, eles não passam por aquela lapidação rígida de um escritor que tem extremo zelo com o seu trabalho. Eu simplesmente escrevo, realizo algumas revisões e publico. Como mencionei anteriormente, isso me ajuda a não mexer muito no texto, pois tenho a mania de catucar aqui e ali e nunca deixá-lo pronto (afinal, estou escrevendo um livro, se considerando todas as versões já feitas, há mais de 4 anos). Preciso dizer também que a narração em primeira pessoa no tempo presente e ainda feita por um adolescente de quinze anos, de certa forma, é muito complicada para adequação da linguagem ao narrador. Nesse caso, eu me despido um pouco de literariedade e procuro desenvolver a narração de maneira simples e mais próxima ao coloquial. Obviamente, daqui a algum tempo, irei dar um tratamento mais específico ao texto quando acabar a história. Por essa razão eu peço a opinião de leitores sobre a qualidade do texto nesse aspecto.
Obs: D.Ventura é um pseudônimo exclusivo para esta história.
SINOPSE
"Eu quero sair. Me deixe sair. Me deixe existir. Me deixe despertar."
Misteriosos eventos sobrenaturais acompanham o primeiro dia de aula em Ventura, um colégio já renomado pelo seu repertório de lendas urbanas. O calouro Léo Ventura, 15 anos, além de enfrentar os problemas comuns de alguém que tenta se adequar numa nova escola, se depara com estranhos fenômenos que se arrastam por todo o dia de aula, o que inclui um enigmático cartão dado a ele por um pássaro negro. No verso desse cartão, uma combinação com oito zeros; na frente, o verbo "despertar".
CAPÍTULOS
Prólogo
- Spoiler:
- Vejo uma luz intensa em meio à escuridão. Meus músculos desgastados adormecem num chão duro e gelado. Uma longa vertigem me consome, impedindo-me de averiguar onde me encontro.
Então, noto que a luz é artificial, suspensa no teto. Viro a cabeça e percorro os olhos pelas paredes de tijolos barrentos que margeiam minha posição. Observo o chão de concreto se alongando até sumir na escuridão. Percebo que estou num corredor estranhamente quieto, onde algumas lâmpadas jorram uma claridade ofuscante no plano. Porém, a negritude impera mais ao longe, e o silêncio que antes governava é cortado por passos ecoantes.
Mantenho meus olhos fixos na escuridão onde os passos reverbam.
Quem é?
Queria que meus membros não fraquejassem às ordens da mente. A debilidade que me paralisa é assustadora enquanto os passos no escuro se assomam.
Quem é?
Desejava que as lâmpadas naquela escuridão distante se acendessem assim como essas que irradiam sobre mim. Mas o breu permanece.
Quem é?
O som dos passos torna-se mais estridente. Quanto mais me aferro em olhar para aquela região negra, mais ela parece se avolumar.
Quem é?
Então meus olhos começam a pesar. Mas falta pouco, tão pouco para vê-lo... Minha vontade de permanecer ali não valia nada. Sinto alguma força me expulsando desse mundo.
Quem é?
Embora a escuridão ainda permaneça, o som dos passos diminui, e estou regredindo para a escuridão de meu sono. Estou o perdendo.
Quem é?
E logo nada mais escuto.
Quem era?
Capítulo 1 - Nova Escola
- Spoiler:
- Em um dia inesperado, vidas começam a mudar, mesmo que de forma lenta e imperceptível.
Nada como começar o dia com o despertador berrando desesperadamente! Parece que não acordei mal humorado, visto que tive cabeça pra fazer uma ironia. Tenho certeza que pouca gente acordaria sorrindo de orelha a orelha, quando estão sendo praticamente obrigados a se levantar com um zumbido eletrônico que denota todos os seus deveres diários. A bela frase “Que dia lindo!” está se tornando extinta atualmente, pois suspeito que a maioria pensa noutra palavra muito diferente de “lindo” pra definir seu dia, ainda mais quando esse dia é uma segunda-feira. No meu caso, não sei se será um “lindo” dia. Mas, com certeza, será curioso.
O “bip-bip” do despertador me fez inferir apenas isto: primeiro dia de aula numa nova escola; início do Ensino Médio. Não que eu desgoste do que me aguarda, sinto-me até ansioso, porém nervoso. Meu coração chega a acelerar quando devaneio as possibilidades de hoje; só não quero pensar nas piores.
Minhas mãos, como de costume, se lançam sobre o aparelho retangular na cabeceira da cama. Apalpo os botões apertando-os a esmo. Só quero que essa coisa pare de berrar!
Quando consigo desligá-lo, acumulo coragem para me levantar. Fico sentado na cama e suspiro satisfeito por ter barrado a preguiça. Diferentemente de quando acordo nos dias anteriores, não há luz matinal entrando pela janela do quarto, já que ainda nem são seis da manhã. Somente uma luz pálida, tonalizando o cômodo de forma fria e crua.
A penumbra na qual meu quarto está mergulhado fez despontar uma lembrança esquisita. Imagens de um estranho sonho, pesadelo, ou seja lá o que tenha sido aquilo, começam a me perturbar. Um corredor com paredes de tijolos de barro, luzes ofuscantes refletindo no chão, e passos na escuridão. Um local um tanto assustador considerando a sensação de impotência e temor que era estar lá. Melhor categorizá-lo como pesadelo. E, sendo um pesadelo, é melhor esquecê-lo.
Volto à realidade.
Eu era obrigado (e não reclamava disso) a dividir o quarto com minha irmã, cinco anos mais nova. No momento, ainda dormia na cama de baixo, que entra e sai lateralmente abaixo da minha. Invejo as horas extras de sono da Marcela!
Ao sair da cama, tomo cuidado ao pisar sobre o colchão onde ela dormia, evitando assim acordá-la, e ponho meus pés no azulejo frio. Meu quarto não é muito grande e também não é muito bonito. A tinta branca descascava em alguns pontos, deixando mostras de cimento na parede e no teto. Não é um quarto lá muito vistoso, mas ainda é o meu quarto (e da minha irmã).
Caminho até a porta e entro no apertado corredor de paredes claras, mais bem conservadas que o cômodo anterior. Alguns passos dados e estou na cozinha, já acesa. No cômodo de azulejos beges, vejo a despensa aberta, uma pia sem louça suja graças a minha mãe, e a mesa com o café da manhã razoavelmente abastado (quer ver o filho bem alimentado para o primeiro dia de aula?).
— Bom dia, Léo! — diz minha mãe com os lábios curvados. Sempre a admirei pelo fato dela manter esse sorriso matinal, independente do que iria enfrentar ao longo do dia.
— Bom dia, mãe! — respondo de volta, a boca tentando imitar aquela curvatura sorridente.
— Preparado para a escola?
Ela tinha que perguntar? Eu queria dizer não. Desejava contar todos os meus pensamentos a respeito desse dia “nebuloso”. Normalmente, quando estou prestes a ir num lugar desconhecido, minha mente viaja por mil e uma possibilidades de acontecimentos em tal lugar. No caso da escola, por exemplo, fiquei imaginando que tipo de alunos encontraria.
— Hum, acho que sim — digo, meio vacilante, mas sincero.
— Certo… — Traços de preocupação adornam seu rosto, mas desaparecem antes de um segundo. — Melhor ir se arrumar. Sabe que daqui até a escola é um longo caminho.
— É, eu sei.
Vou ao banheiro me aprontar, concebendo o fato de que todos os dias faria essa longa jornada. Só de pensar nisso, a preguiça retorna. Enquanto há gente morando no mesmo quarteirão do colégio, outros residem a quilômetros de distância, tendo de arranjar duas ou mais conduções para chegar ao destino final. É um saco! Mas esse grupo de alunos precisa fazer esse sacrifício. Provavelmente conseguirei me acostumar com o tempo, sem contar que terei pinta de… hum… esforçado.
Após o banho, visto minha calça-jeans e camisa polo branca. Olho-me no espelho para conferir se estou bem arrumado. Os cabelos escuros, curtos, e naturalmente penteados é o que menos preocupa. Acho minha aparência formal demais para ir à escola, mas, como tiveram um problema com a encomenda dos novos uniformes, permitiram que os alunos calouros usassem roupa comum na primeira semana.
Quando volto à cozinha, minha mãe está quase arrumada para ir ao trabalho, apenas terminando de pentear seus cabelos escuros e lisos. Ela não tem muita pressa, afinal, o mercado do Seu Valter não é muito distante daqui.
— Léo, já estou indo. Sua tia deve chegar daqui a pouco para levar a Marcela na escola. Não precisa esperar por ela. Sua irmã não terá medo de ficar sozinha em casa, desde que você tranque a porta e o portão.
Ela me dá um beijo de despedida e se vai.
Olho para o relógio e noto que também já está quase na minha hora. Tomo um meio copo de café com leite e uma fatia de pão. Vou até o quarto pegar minha mochila previamente arrumada na noite de ontem. Porém, quando estou para carregá-la do cômodo, noto minha irmã se remexendo na cama, provavelmente imersa em algum pesadelo. Ouço-a sussurrar alguma coisa, mas não consigo compreender. Tento me aproximar, mas os murmúrios subitamente cessam. Dou de ombros e saio do quarto.
Na cozinha, confiro novamente a mochila. Tudo certo! Hora de ir!
Deixo a casa e tranco a porta. Falta pouco mais de uma hora para o primeiro tempo de aula. O nervosismo só aumenta.
Enquanto o irmão se afastava de casa, Marcela se contorcia desconfortavelmente no leito. Como Léo imaginara, sua irmã mantinha-se mergulhada num pesadelo, ou, talvez, em algo maior. Não parava de murmurar:
— Tome cuidado, Léo. Está vindo... Está vindo.
Capítulo 2 - Chegada aguardada?
- Spoiler:
- A Rua Augusto Pereira se abraçava num grande silêncio de fim de madrugada, exceto por ínfimas e corriqueiras sonâncias do alvorecer como o assobio dos pássaros, o latido dos cães domésticos e o ruído engasgado dos veículos numa via próxima. Mas a quietude foi agudamente cortada pelo ranger de um portão, por onde saiu um jovem estudante.
Apesar de acordar às cinco da manhã e ter que caminhar por uma rua deserta, há duas coisas nisso tudo que me conforta: a atmosfera amena do amanhecer e o céu despontando. A claridade tênue do firmamento dá impressão de que ele acorda junto comigo e vai aflorando seu azul celeste conforme vou varrendo meu sono para dentro do tapete fisiológico e me mostro desperto perante o mundo (creio que seja esse o sentimento daqueles que acordam antes de ver o céu aceso). Além do mais, admiro as tonalidades do firmamento, desde o amanhecer ao entardecer. À noite, gosto de vê-lo inundado de estrelas.
Caminho pela rua até a esquina, a via principal por onde passam alguns ônibus que cortam todo o bairro. No ponto, há um ralo punhado de gente com o mesmo destino penoso de acordar cedo e ir ao trabalho... ou à escola, pois notei uma garota com uniforme de colégio público. Fico um pouco afastado dela, que me faz lembrar os alunos com quem teria de conviver durante os três anos do Ensino Médio.
O ônibus não vinha. Nenhuma novidade para aqueles que necessitam de condução rodoviária... ou qualquer transporte em massa. Fico vinte minutos mofando no ponto que cresce a cada minuto. Enfim, vem o ônibus. Vazio? Considerando a situação, pegar um ônibus com mais da metade dos assentos vagos é realmente um milagre! Após estar acomodado no veículo, percebo o motivo. Um segundo ônibus (ou seria um latinha de sardinha?) da mesma linha emparelha ao lado quando param num sinal vermelho. Certamente os dois vieram colados, e, por sorte, o vazio passou à frente antes de chegar ao ponto onde estava. Eu disse dois? Na verdade, são três. Observo uma terceira condução ultrapassando. Quando isso acontece, não sei se é culpa do trânsito ou da empresa que mal administra as linhas de ônibus. Ambos, talvez.
Após quase meia hora de viagem (já sabendo que chegarei atrasado, o que me deixa meio angustiado, mas ponderando o fato de não ocorrer ou da primeira aula ser apenas um bate-papo descartável), solto no centro da cidade de Nova Vida e caminho alguns metros até uma rodoviária coberta (do tipo caindo aos pedaços e bem suja). Lá, sendo ponto final de minha próxima condução, consigo garantir um assento próximo à traseira do ônibus, aquele mais alto que toda criança gosta. Analiso os presentes no “carro” e percebo muitos jovens da minha idade, provavelmente se dirigindo para a única escola em Ventura, um bairro pacato afastado de Nova Vida, um local facilmente apelidado de “fim de mundo”. Alguns adolescentes (uns uniformizados, outros não) são bem simples e não parecem ter mais que 18 anos, já outros são brutamontes com 22 anos na cara que dificilmente seriam vistos como estudantes “certinhos”. Um deles usa uma camisa preta com alguma banda de rock estampada e ainda veste uma calça-jeans esburacada. Olhando pra ele, potencialmente, vê-se um bagunceiro ou desinteressado.
Mas, as aparências estereotipadas e o senso comum não condizem com a realidade. Para alguém entrar nessa escola (que também chama-se Ventura, dado o nome do lugar), precisa fazer uma prova, que serve tanto para selecionar os alunos mais aptos a ingressarem em Ventura quanto para atribuir uma bolsa de estudo para aqueles que têm uma baixa condição financeira (na verdade, a escola tem um preço bastante razoável se comparada às outras). Estou incluído neste último caso. São escolhidos apenas os dez primeiros colocados entre os que comprovaram terem baixa renda. Fiquei em quarto na pontuação geral entre todos os estudantes que fizeram o exame, e em segundo na lista daqueles que almejavam a bolsa, que é contabilizada a depender da pontuação do candidato. Obtive 75% de desconto, o que equivale a retirar 75 quilos das costas da minha mãe.
Em vinte minutos, a gradual decaída do panorama urbano deu lugar a uma paisagem esverdeada. Poucas moradias e muita vegetação, além de sinuosas montanhas aqui e ali. Por que raios uma escola foi construída num lugar praticamente inóspito?
O ônibus (um “museu” que não passa dos 40 km/h) vira numa curva por trás de uma encosta. Vejo manchas amarronzadas permeadas num verde infinito, a escola se erguia cada vez mais próxima. O nervosismo de primeiro dia de aula retorna. Estou finalmente chegando... Estou preocupado com minha turma. Sou meio lento para amizades. Triste timidez!
Uma freada pouco depois de muitos jovens se levantarem. Espero todos descerem antes de me erguer do banco. Numa aglomeração, não gosto de andar na frente dos outros, não sei por que; é uma sensação estranha, como se os que estão atrás me olhassem, analisassem meu jeito de andar e tirassem conclusões precipitadas sobre mim. Acho que é apenas uma cisma minha.
Sou o último a descer e, enquanto todos andam em direção ao portão do colégio, observo sua armação. Um portão de grades escuras. Não gosto dessa cor .
Entrementes, dentro do campus da escola, sentado à sombra de uma árvore, um adolescente conversava nervosamente ao celular.
O aparelho tremula levemente em minhas mãos suadas, as costas doíam rente ao tronco. Tudo parece tão desconfortante! E a voz que ouço no celular gera um frio na barriga.
— Ele está aí. Você precisa fazer! — Uma ordem... A apreensão apenas aumenta. Sou capaz de executá-la?
Capítulo 3 - Bem-vindo, Ventura
- Spoiler:
- Famosa é sua qualidade de ensino e repertório de lendas colegiais. A melhor escola da cidade de Nova Vida, Ventura, deitava-se afastada do centro urbano. Fisicamente extensa, sua forma, se vista de cima, assemelhava-se a duas asas envergadas sobre um tapete verde, e dentro delas cresciam construções cinzentas e formosas.
Léo respirou fundo e ultrapassou os portões de Ventura.
O nervosismo não é nada conveniente. Por causa dele, meu andar é vacilante e as pernas parecem que irão congelar a qualquer instante. São meus primeiros passos num mundo desconhecido; minha insegurança, à flor da pele. Sempre sozinho nessas ocasiões, não tenho ninguém com quem dividir ou abrandar essa insegurança.
Pelo o que sei do colégio, há duas entradas bem afastadas uma da outra: a primeira para o ensino fundamental, e a segunda para o ensino médio, que é onde me encontro. A quantidade de alunos é realmente proporcional ao tamanho do terreno; na verdade, creio que há espaço demais mesmo para tanta gente.
Analiso o interior do campus, constituído por um bom pedaço de região gramada e entrecortado por ruelas onde transitam alguns carros. Árvores e outras plantas enfeitam o cenário, um típico espaço natural que combina com a imagem do bairro. Parecia um local de passeio ao ar livre.
Faço um percurso reto, seguindo o grupo que saiu do ônibus; logo adiante, o prédio retangular da escola. Alguns alunos diminuem o ritmo para simplesmente olharem um detalhe peculiar. A alguns metros da frente do prédio, jaz um suporte acimentado sustentando o busto de uma estátua, no mínimo, estranha. Trata-se de uma escultura em homenagem ao fundador da escola: Dionísio Ventura. Ao contrário dos outros, paro e avalio sua forma. A imagem mostrava um sujeito de cabeça calva com punhados de cabelos nas laterais, rosto meio enrugado (belíssimo trabalho artístico), e olhar meio... hum ...intimidador. Para ser sincero, aparentava ser a face de um ditador, as feições autoritárias e rígidas despejadas sobre os alunos que entravam no colégio. Mas isso é o de menos! O detalhe mais insólito da estátua são duas grandes asas que, ao invés de envergadas, como vem estampado no símbolo da escola acima do nome “Ventura”, estão fechadas em torno do busto do homem, velando parcialmente toda a escultura, com exceção da região do pescoço para cima. Dionísio Ventura, por acaso, era ou sentia-se um anjo? Qual o significado dessas asas? É realmente uma arte sobrenatural para um colégio, e posta logo na entrada, dava uma sinistra boas-vindas.
No pilar abaixo da escultura, li a data em que foi esculpida. “11/02/1973”. Quarenta anos atrás. Aqui, Dionísio Ventura simula beirar os setenta anos. Hoje (ele ainda está vivo, por incrível que apreça), se não me engano, ele tem entre 110 e 120 anos. O velho parece que tomou algum tipo de elixir para alongar a vida. Pelo o que pesquisei dele, ele se mudou para o estado do Acre desde o início do milênio, alegando que se o mundo acabasse na virada do século, aquele lugar seria um dos últimos a ser acometido pelo Apocalipse, embora o senso comum do brasileiro veja prontamente o Acre como um “fim de mundo” (e o mesmo valeria para Ventura).
Uma incrível coincidência é a relação entre o nome do lugar e meu sobrenome: Ventura. Ele significa felicidade. Desde que conheci essa escola e resolvi passar pra cá, senti que esse era o lugar onde realmente queria e deveria estar. Parecia estar predestinado a vir para Ventura. Talvez, a coincidência no nome tenha criado uma ilusória e até afetiva conexão com a escola. Se minha presença é obra do acaso ou do destino, não faço a menor ideia.
Enfim, dou a volta na estátua e percebo o tempo gasto com pensamentos diante dela: o grupo de adolescentes se encontra muito à frente, quase dentro do prédio. Acelero meus passos para não ficar longe deles, pois os usava como guia. Porém, dois segundos depois, um som me chama atenção, uma espécie de grasno altivo e medonho. Paro imediatamente e giro os calcanhares. Provavelmente é uma gralha, mas…
Encarapitado no ombro direito de Dionísio Ventura, um pássaro negro me encara e abre o bico para um novo grasno. Não é uma ave qualquer. Aquele tamanho, aquela plumagem escura... é exatamente como... um corvo!?