Escritor da Depressão

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    New Hell - Capítulo 1

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    RicardoSodreh


    Mensagens : 2
    Data de inscrição : 25/12/2013

    New Hell - Capítulo 1 Empty New Hell - Capítulo 1

    Mensagem por RicardoSodreh Qua Dez 25, 2013 2:20 pm

    Parecia que aquela chuva não iria parar nunca. Will fitou irritado a janela do seu apartamento, ele mal conseguia enxergar Nova York através das grossas gotas de água que batiam no vidro. E o pior era que ele mal tinha conseguido aproveitar um dos poucos fins de semana livres que ele havia tido em muito tempo, estava preso no seu minúsculo apartamento por causa de um temporal.

    Olhou pro notebook jogado em cima do sofá com desdém, ele sorriu ao lembrar que se essa situação fosse um ano atrás, ele teria adorado passar um dia de chuva mexendo no computador. Mas Will tinha mudado, desde que fora aceito na faculdade de Jornalismo - há mais ou menos um ano atrás - e se mudou pra Big Apple, ele estava muito diferente, tanto em sua aparência quanto em seu emocional.

    Na verdade, tinha basto um dia na faculdade pra ele perceber que era tempo de mudar, aquele nerd que ele sempre foi, não tinha mais espaço em Nova York. Então, assim que as aulas acabaram, ele foi em um salão de beleza e fez um corte de cabelo mais despojado, comprou roupas novas e ainda trocou os óculos gigantes que usava por lentes de contato e ainda tinha entrado pra uma academia. Quando chegou a noite ele já estava completamente mudado e ele não poderia ter ficado mais satisfeito com o resultado. E pra surpresa dele, no outro dia, as outras pessoas também ficaram satisfeitas.

    Ele passou o olho pela sala, e viu as três caixas com suas coisas, que tinha chegado duas semanas atrás e ainda amontoadas do lado da porta, por um momento seus olhos se fixaram na etiqueta branca na caixa que indicava a cidade de onde tinha vindo, “New Haven”, ele não pode evitar de se lembrar de uma frase que os moradores da cidade sempre diziam, “New Hell would be a such better name” - "Novo Inferno seria um nome mais apropriado". Ele não podia discordar, se existisse um Inferno, provavelmente ele seria como aquela cidade. Desviou esses pensamentos. Era incrível como mesmo depois de um ano longe daquela cidade, as coisas que tinham acontecido ainda estavam frescas na memória de Will. Olhou pra janela, quase que por instinto, e viu que a chuva não tinha diminuído. Olhou de novo pras caixas, e decidiu arrumar de uma vez. Já que ele estava preso em casa, poderia passar o tempo fazendo uma coisa de útil. Foi até o notebook colocou alguma playlist pra tocar, uma de suas músicas favoritas começou a tocar, Sweet Dreams, começou a acompanhar a melodia enquanto pegava a primeira caixa.

    Quando abriu a primeira caixa, se deparou com todos os seus livros e quadrinhos, começou a arrumar todos na estante no canto esquerdo da sala. Hora ou outra, ele parava e lia alguma coisa, simplesmente pra matar a saudade daquelas sagas que ele tanto gostara. Os pontos de fuga para sua nada mole vida. Quando já estava no no final da caixa, ele encontrou um anuário da sua antiga escola. Não sabia nem porque tinha guardado aquilo.

    Foi passando as páginas, até chegar na página da sua turma. “Sua”, pois era a sala em que estudara, porque ele nunca de fato tinha se sentido parte daquele grupo. Já era excluído por ser nerd, e depois, ficou ainda mais sozinho por outros motivos. Com o tempo, os poucos amigos que tinha se afastaram dele, ou talvez tivesse sido ele quem se afastara dos amigos. Mas isso já não importava mais, já tinha alguns meses que não falava com nenhum deles. Afastou essas lembranças da cabeça, não queria pensar nisso. Ele conseguira sobreviver sem todos eles.

    Zack, Jenny, Ellie, Zooey, Annie, Peter, Nick, Diego, Samwell, Edd, Jonas, Alice, Lacey, Victor e Natalie...Ele foi passando os dedos pelas fotos, até parar na foto de Lucas. Fechou o anuário, com uma mescla de raiva e satisfação. Foi até a lata de lixo, e jogou dentro, sem nem hesitar. Quem vive de passado é professor de história, ele pensou e sorriu, achando graça da própria piada. Imaginou-se fazendo como em um filme que vira, e ateando fogo na lata de lixo junto com o anuário, mas nem ele era tão melodramático assim. Pelo menos, não agora.

    Depois de ter arrumado tudo que estava dentro da primeira caixa, ele já estava com fome e cansado, decidiu deixar as outras duas pra arrumar em outro dia. Nem se deu ao trabalho de se levantar pra ir ver se tinha alguma coisa pra comer na geladeira. Não tinha feito compras nesse mês ainda, tinha passado essas duas primeiras semanas do mês vivendo a base de fast-food. Imaginou o que a mãe diria se soubesse disso. Ele sentia falta de sua mãe, sentia mesmo. Mas desde que abandonara a sua pequena cidade em Connecticut, nunca mais a vira.

    Mas ele não voltaria para aquela cidade, queria esquecer tudo e todos daquele lugar. Tirando a mãe e a irmã, claro. As duas sempre o apoiaram, o que já é mais do que posso dizer sobre o pai dele. Fora elas, ninguém se importava com ele lá, e se querem saber, o sentimento se tornou recíproco. Will também já não se importava com mais ninguém de lá. Ou ao menos era nisso que ele queria acreditar. Aumentou o som do notebook pra que pudesse ouvir do banheiro e foi tomar um banho enquanto esperava a pizza chegar.

    Saiu do banho, enrolou a toalha em volta da cintura, e caminhou em direção ao quarto. Um dos únicos pontos negativos do apartamento que ele achou, quando foi alugar, era que a sala ficava entre o banheiro e o quarto. Mas, como o preço era bom, a vista era boa e de quebra o prédio ainda ficava perto da faculdade, ele decidiu ficar com esse mesmo. Na época ela não podia se dar ao luxo de escolher um apartamento mais caro, não que atualmente ele possa. Mas ao menos agora, ele já está fazendo um estágio. E de qualquer jeito, agora esse detalhe já quase não o incomodava.

    Quando passou pela sala, a campainha tocou, foi rapidamente até o notebook e abaixou o volume, seu gosto musical era maravilhoso, mas o entregador não precisava saber disso. Depois correu até a porta e a abriu, ele quase não conseguiu segurar sua expressão de espanto quando viu que quem trazia a pizza era uma mulher. Talvez fosse comum em Nova York, ele pensou, mas até hoje nunca tinha conhecido uma mulher que fosse entregadora de pizza. Mesmo não gostando, ele não pode deixar de reparar na beleza dela. Ela tinha cabelos ruivos, que estavam presos num rabo de cavalo. A pele era branca, quase albina e os olhos eram de um verde intenso.

    - Terminou de olhar? – Perguntou ela, com um ar sarcástico na voz.

    - Desculpa. Eu... - respondeu ele, envergonhado, mas foi interrompido.

    - Tudo bem, é normal ficarem surpresos.

    - É, eu consigo ver o porquê. Eu vou pegar o dinheiro. – ele disse com um meio sorriso.

    - Eu imaginei que você não tivesse com ele aí – disse a entregadora enquanto apontava pra toalha.

    Ele sorriu pra ela, enquanto ela lhe dava a pizza. Ele colocou a pizza no balcão que divide a sala da cozinha, e se virou pra ir pegar o dinheiro na carteira em cima da mesinha que ficava no meio da sala. Foi até a porta, pagou ela. E ainda deu uma gorjeta bem grande pra ela, ele já tinha gasto quase todo salário e ainda insistia em dar gorjetas grandes, como se fosse um grande milionário. Quando ele já estava fechando a porta, a entregadora segurou a porta e o chamou:

    - Hey! - ele se virou – Você foi o primeiro cliente hoje que não me fez nenhuma cantada, posso perguntar o porquê?

    - Na verdade não. - ele disse e deu às costas, então se voltou pra ela sorrindo e respondeu - Porque...eu sou gay. – e entrou.

    - É, eu sei – falou a entregadora, baixo o suficiente pra ele não escutar. E foi em direção as escadas.

    Depois de comer uns quatro pedaços de pizza, Will se jogou no sofá e ligou a televisão, viu um filme de terror passando. Ás vezes ele tinha a impressão de que todos os personagens de filme de terror são retardados, fazem babaquices sem limites, agem como idiotas. Mas afinal, se todos os personagens de terror fossem inteligentes, não existiria mais esse gênero. Porque os personagens chamariam as autoridades, pediriam proteção judicial, qualquer coisa do tipo, no primeiro acontecimento bizarro. Mas não, eles preferem transar. Convenhamos, que tipo de pessoa transa no meio do mato sabendo que tem um assassino à solta? Ele era um fã de terror, então acabou se tornando um pouco crítico, talvez até demais. Mas mesmo o filme já estando pelo meio, ele deixou ali mesmo e começou a assistir. Com um tempo o sono foi chegando e ele acabou dormindo no sofá mesmo, com a TV ligada...

    ***

    Will ouviu um barulho distante, o que acabou o fazendo despertar. Ele sempre fora lento pra voltar a si, depois de acordar, mas dessa vez tinha algo estranho. Sua mente tentava lhe dizer alguma coisa, mas ele não dava atenção. O barulho ficava mais alto como se tivesse chegando mais perto, aquilo estava realmente o incomodando. Ele abriu os olhos, então se deu conta de que estava tonto, tudo estava girando a sua volta. Ele não tentou se sentar, sabia que se o fizesse só ia piorar sua situação. O barulho irritante ainda continuava, mas ele não conseguia prestar atenção nisso. Era uma sequência de ruídos, que só faziam sua cabeça doer mais. Ele sentia dificuldade pra respirar e podia sentir seu coração acelerado, não era algo exatamente normal, ele não se lembrava de já ter se sentido desse jeito antes.

    Ignorando os protestos da sua cabeça, ele se sentou, tentando focar a visão em um único ponto da sala - o que ele não conseguiu. Seus olhos ardiam, definitivamente algo não estava normal. Ele tentou se levantar mas suas pernas não estavam dispostas a obedecê-lo e ele acabou se sentando de novo. Sua respiração estava cada vez mais ofegante e ele precisava se concentrar pra poder respirar, e cada vez que fazia isso, sua cabeça doía mais. Se manter acordado já estava sendo um grande esforço, a todo momento seus olhos teimavam em se fechar e seu corpo pendia pro lado.

    Ele começou a tatear o sofá em busca do celular, o encontrou atrás de uma das almofadas. Apertou o botão de desbloqueio e olhou pra tela, tudo estava muito embaçado. Por sorte, ele não precisava enxergar o que estava fazendo, era pra isso que servira anos de prática, sempre contara com a irmã pra tudo. Toda vez que ele se via em algum problema era pra irmã que ligava, tudo que ele fez foi pressionar o 2 e esperar que o smartphone fizesse o resto. Ele torceu pra que a irmã atendesse.

    - Fala Will! Porque está me ligando uma horas... – Ele ouviu a irmã gritar do outro lado da linha.

    - Julia, eu... – Ele interrompeu a irmã, só então percebeu o quanto sua língua pesava na boca, e quão secos estavam seus lábios

    - Will, está tudo bem?! – ouviu sua irmã perguntar preocupada, ela percebeu imediatamente que tinha alguma coisa de errada.

    Ele tossiu, e se esforçou pra aumentar o tom de voz:

    - Eu...Eu preciso de ajuda...Não tô me sentindo bem.

    - Nada bem. – Acrescentou antes de desmaiar, ele caiu por cima da mesa de centro, o celular escorregou de sua mão e rolou para debaixo do sofá, antes de ficar completamente inconsciente, ele pôde ouvir a voz da irmã gritando pelo seu nome. Mas ele já não conseguia respondê-la, na verdade, ele duvidava que conseguisse fazer qualquer coisa.

    ***

    Agora além da sua cabeça, suas costas também doíam por causa da queda, aos poucos, Will ia voltando a si. Sua cabeça agora latejava, mas quando ele abriu os olhos, a vertigem já tinha diminuído e seus olhos já não ardiam como antes. Devagar, se apoiando nos móveis, ele se levantou e começou a caminhar em direção a pia, seus músculos estavam rígidos e quase não se moviam. Will ligou a torneira da pia, respirou um pouco por causa do esforço, passou a mão pela testa e enfiou a cabeça debaixo da água. Esperava que aquilo aliviasse um pouco a dor, e o ajudasse a pensar direito. Realmente ajudou, quando tirou a cabeça da água, se sentiu melhor. Pegou um copo na bancada e encheu dessa água e bebeu, depois outra vez, e mais uma. Mesmo assim, a sensação de inchaço na língua não diminuía e sua boca continuava seca. Ele pensou que seria melhor dormir um pouco. Quando começou a andar em direção a sala, ele viu a pizza em cima do balcão, só pode ter sido a pizza que fez tão mal, ele pensou. Olhou bem pro nome da pizzaria, querendo se lembrar de nunca mais comprar nada naquele lugar. Pegou a caixa, com o restante da pizza dentro, amassou o máximo que pôde, caminhou até a lixeira e a enfiou dentro. Provavelmente, a caixa da pizza só coube dentro, porque a lixeira estava vazia.

    Will andou até a sala, e esfregou a mão na testa, alguma coisa estava errada. Foi quando ele se lembrou, virou pra trás e se deu conta de que a lixeira não deveria estar vazia. Mais cedo ele tinha jogado o anuário da sua antiga escola ali. Ele passou os olhos pela sala, procurando pelo anuário, quem sabe ele tivesse se enganado e o livro estava jogado em algum lugar. Mas não estava. Pelo menos, não em um lugar visível. Ele começou a estranhar tudo aquilo, apalpou os bolsos em busca do celular, mas não conseguia encontrar, procurou pelo sofá, em cima do balcão, mas nada de encontrar o aparelho. Então, ele percebeu outra coisa, o notebook também havia sumido. Ele tinha certeza de que o tinha deixado por ali.

    Will chegou a conclusão de que alguém tinha invadido o apartamento, ele era inteligente suficiente pra juntar os fatos. A entregadora, a pizza, ele passando mal e ficando inconsciente. Na cabeça dele tudo aquilo tinha alguma ligação. Foi então que ele teve a ideia de que seja lá quem tivesse invadido o apartamento, ainda poderia estar ali. A porta do quarto estava fechada, e ele não se lembrava se tinha sido ele quem a fechou.

    Ele não seria burro de ir descobrir, começou a caminhou até a porta do apartamento, ia ligar pra polícia na rua. A porta estava trancada, e não tinha sinal da chaves em lugar nenhum. Caminhou até o balcão, na esperança de que a chave estivesse ali, mas não estava. Então ele pegou a faca que usou pra fatiar a pizza, e deixou na mão. Estava tremendo, não de medo, mas de desespero. Odiava ficar preso nos lugares, mesmo em um lugar amplo, a sensação de não ter como sair era angustiante pra ele. E agora, a única saída, era pela janela do quarto que dava na escada de emergência do lado de fora do prédio. Com o silêncio, Will de novo começou a ouvir aqueles ruídos que ele tinha ouvido mais cedo, mas ele não deu atenção, só queria sair dali.

    Mesmo com medo, ele foi até a porta do quarto e a abriu. Estava vazio, ao menos era o que aparentava. Ele deu uma risada nervosa, se sentindo estúpido. Jogou a faca em cima da cama e respirou fundo. Já tinham roubado seu celular e seu notebook, as coisas que mais tinham valor naquele lugar, não tinha porque os bandidos continuarem ali.

    Ele se virou em direção a janela, que estava aberta. Então, ele ouviu um barulho e sentiu algo se mover atrás dele, ele se abaixou no exato momento que alguém tentara acertá-lo com um taco de beisebol. O movimento brusco fez a tontura voltar, ele se afastou rápido, enquanto alguém todo vestido de preto desferia golpe atrás de golpe. Will estava em choque, olhou rápido pro atacante, ele usava um moletom preto com capuz, e uma daquelas máscaras gregas de teatro. Esse momento parado foi o que fez Will levar um golpe no ombro, ele deu um grito de dor e caiu. O encapuzado já preparava pra dar outro golpe quando Will deu um chute nele.

    Will saltou na cama e deu um giro pro outro lado do quarto, caindo bem em cima do ombro que tinha machucado. A dor foi tanta que ele soltou um gemido. Por de baixo da cama, ele pôde ver que o assassino já tinha se recuperado do chute e estava vindo em sua direção. Ele se sentou, pegou impulso e empurrou a cama na direção do homem. Pego de surpresa, o encapuzado foi atingido e caiu. Nisso, Will usou o braço bom pra abrir a janela, rapidamente ele jogou o corpo pra fora e trancou a janela, pelo lado de fora. Ele viu luzes vermelhas e ouviu sirenes, logo abaixo de onde ele estava e começou a correr em direção a escada que dava na rua. Ele ouviu o assassino quebrando a janela pra sair, e cometeu o erro de se virar pra ver. Foi então que outra pessoa, vestida do mesmo jeito que a primeira, apareceu atrás de Will e acertou em cheio a pá em sua cabeça. A força do golpe foi tamanha que Will foi jogado por cima da grade, já inconsciente, ele caiu na rua...

    ***

    - É realmente um milagre ele estar vivo. – Will ouviu uma voz masculina dizer – Ele caiu do quinto andar, sofreu um traumatismo cranioencefálico, fraturou o ombro esquerdo, quebrou três costelas, fora outras lesões menores. Ele vai passar um bom tempo se recuperando.

    - Doutor...? Qual o seu nome mesmo? – perguntou outra voz, dessa vez feminina.

    Will tinha a impressão de que já ouvira a voz feminina antes, seu corpo todo doía. Ele abriu os olhos e olhou em volta. Estava em um hospital. Ele não fazia ideia do porquê estava ali. A última coisa da qual ele se lembrava era de ter conversado com uma entregadora de pizza.

    - Jack Wintermore. – o outro respondeu.

    - Isso, certo. Desculpe. Mas ele vai ficar bem, Doutor Wintermore? – a voz parecia trêmula.

    - É difícil dizer, as costelas vão até se recompor, mas o ombro dele nunca mais será o mesmo. O que me preocupa são os danos causados ao cérebro dele. Não tem como saber quais sequelas ele terá. Mas seu irmão é jovem e tem uma saúde de ferro.

    - Meu Deus. Tem algo que é possível fazer pra acelerar o processo de cura ou de impedir as sequelas? – perguntou Julia, cujo a voz Will finalmente reconheceu.

    Will tentou se mexer pra enxergar através do vidro no seu quarto de hospital, mas não conseguia, tanto por causa da dor, quanto por causa das talas.

    - Infelizmente não. Tudo que podia fazer, nós já fizemos. Só nos resta esperar a recuperação gradual dele, ele vai precisar ficar um bom tempo aqui em observação. – o Doutor respondeu.

    - Entendo. Muito obrigado, Doutor. Você salvou a vida do meu irmão.

    - Não fiz mais do que o meu trabalho.

    - Eu não poderia vê-lo agora , né?

    - Não aqui na UTI, sinto muito. Mas assim que ele recuperar os sentidos e ir para um dos quartos, nós entraremos em contato.

    - Certo. Mais uma vez muito obrigado. – disse Julia.

    - Imagina. Vamos? Te acompanho.

    Will fitou exasperado o teto do quarto, queria poder gritar que estava acordado, mas sua voz não saía. Ele tentou se lembrar do que havia acontecido, mas tudo que lembrava era de ter comido a pizza e... Aparentemente, com três costelas quebradas, um traumatismo cranioencefálico e um ombro fraturado, ele duvidava que a pizza que tivesse causado isso. Era estranho tentar se lembrar de algo, que pra você nunca aconteceu. Era como se nada tivesse acontecido mesmo, não era como nos filmes onde você vislumbra imagens borradas, realmente, era uma lacuna nas suas memórias. Mas fora isso, e as dores excruciantes, ele se sentia bem normal. Com um tempo ele adormeceu de novo.

    ***

    Quando ele acordou, já estava em outro quarto. Sentia menos dores, mas seus pensamentos estavam lentos. Ele sabia que devia ser efeito dos remédios. Passou os olhos pelo quarto, esse se parecia mais com um lugar habitável, tinha um criado mudo, uma televisão, um rádio. Ele foi obrigado a parar de analisar o lugar, porque alguém entrou no quarto.

    - Will? – era um médico - Como você está se sentindo?

    - Me sinto...drogado.

    - Imagino. Você está tomando uma quantidade grande de remédios diferentes. É normal se sentir assim até seu organismo se acostumar com essa nova rotina clínica. Sou o Doutor Wintermore e vou ser o principal responsável por acompanhar se quadro durante sua estadia aqui.

    - Certo. Sou Will, mas acho que você já sabe disso. – Will parou um momento analisando o médico, era surpreendente novo, principalmente para um neurologista, ele era alto, moreno, usava óculos e estava com a barba por fazer. Will se deu conta de que estava encarando o médico. - O que aconteceu comigo?! – questionou Will.

    - Essa é uma boa pergunta, você não se lembra de nada? – o doutor olhou pra ele com ar preocupado.

    - Não. A última coisa que eu me lembro é de ter pedido uma pizza e comido. Só. E acho que isso não explica o fato de eu estar todo quebrado.

    - Realmente não explica... – Will percebeu que ele mudou o tom pra falar isso, como se fosse mentira - Bom, vou deixar sua irmã explicar parte do que aconteceu naquela noite, pode ser?

    - Pode ser sim. Ela está aí?

    - Está sim. Na verdade, ela não saiu do hospital desde que você chegou.

    - E quanto tempo tem isso?

    - Cerca de três dias.

    - Certo. Obrigado, Doutor.

    - Imagina. – ele deu as costas e foi em direção a porta. Então se virou e disse:

    - Ah, Will! Mais uma coisa, tem um investigador que também quer falar com você o mais rápido que puder, da última vez que ele veio, eu disse que você estava impossibilitado de receber visitas, você já se sente preparado pra falar com ele ou prefere que eu diga que você ainda não consegue responder nada?

    - Acho que já estou bem, não vou ser capaz de responder muita coisa mesmo. Por mais que eu tente, não consigo lembrar de nada.

    - Talvez, você não devesse tentar. Forçar sua memória, não vai trazer bem nenhum. Fale com sua irmã e descanse, certo? Mais tarde venho checar como você está. – Ele se virou e saiu.

    Alguns minutos depois, sua irmã entrou.

    - Will? – Ele ouviu sua irmã chamar, ele se perguntou se todo mundo tinha que entrar no quarto daquele jeito.

    - Oi, Jules – Ele deu um sorriso cansado.

    - Sei que é ridiculo perguntar, mas como você está?

    - Até que estou bem, quer dizer, se não considerarmos meu estado clínico.

    Ela sorriu.

    - Pelo visto está melhor do que eu esperava... – Will também sorriu, ele percebeu que a irmã estava nervosa. - Você quase me matou de preocupação.

    - Eu também quase morri, e não foi por preocupação – ele respondeu sarcástico.

    - É, eu sei. – Julia respondeu em tom sério. – E isso não é piada.

    - Eu estou bem agora, Jules. Isso é o que importa.

    - A gente não sabe o tipo de sequelas que você vai ter.

    - Não seja tão pessimista. - disse ele

    - Não estou sendo. Mas o Dr.Wintermore já me falou que você não consegue se lembrar do que aconteceu com você. Isso não pode ser bom sinal, não é?!

    - Bom... – ele começou, mas percebeu que sua irmã estava certa.

    - Está vendo? – ela se sentou na cama - Will, alguma coisa muita estranha aconteceu. Você me ligou no meio da noite, me dizendo que estava se sentindo muito mal e depois desligou na minha cara. Minutos depois me ligam dizendo que você estava estirado no meio da rua. Se assim que você me ligou, eu não tivesse mandado a ambulância pro seu apartamento, eu não sei o que teria acontecido...Você só sobreviveu porque teve atendimento imediato, entendeu?

    - Sim. Você salvou minha vida mais uma vez. E acho que te devo um obrigado por isso. – ele respondeu.

    - Não, não é isso. – ela disse nervosa – Seu quarto estava uma bagunça, e a janela estava quebrada. Alguma coisa deve ter acontecido ontem. E agora, a polícia quer descobrir o que aconteceu. Seu quarto está sendo considerado cena de crime. Tentativa de homicídio...

    - O quê isso quer dizer exatamente?

    - Que alguém te jogou do quinto andar, Will. Tentaram te matar.

    - Eu? Quem tentaria me matar? – Will questionou dando uma risada incrédula.

    - É isso que eu gostaria de saber. E a polícia também.

    - É, o Dr. comentou sobre um investigador que quer falar comigo. O que você acha?

    - Acho que você devia falar com ele, você não se lembra de nada mesmo. Eu falei com esse investigador. Eles não têm ideia de quem tentou te matar ou do porquê, e isso é o que está fazendo seu caso tomar grandes proporções na mídia.

    - Eu sempre quis ficar famoso, mas não desse jeito. – falou Will, em tom de descaso – Você não contou desse incidente pra mamãe, contou?

    - Eu ainda não tive tempo de ligar pra ela, e não queria preocupá-la até saber como você estaria quando acordasse. Se eu ligasse contando algo assim, ela ia enfartar. Mas pretendo ligar pra ela hoje, antes que ela veja em algum noticiário. “Jovem, William Davis, é jogado do quinto andar, direto para a morte”, já imaginou? – Julia respondeu.

    - Nossa, de onde você tira essas coisas, Jules? – ele questionou dando risada.

    A porta do quarto se abriu, e entrou uma enfermeira com ar de rígida.

    - Eu vou ter que pedir pra senhorita se retirar, está na hora das medicações do paciente, e como são remédios bem fortes, não é recomendável que ele fica batendo papo depois de tomá-los. A senhorita entende, não é? – avisou ela.

    - Certo. Obrigada. – Jules respondeu, se levantando da cama – Will, vou ir no seu apartamento buscar algumas roupas pra você...

    Ela caminhou até a porta e se virou:

    - Hey, eu te amo.

    - Também te amo, sua melosa. – disse ele, e ela saiu.

    Julia estava andando apressada pelo corredor, e chegou a conclusão de que detestava mesmo hospitais. Sempre tinham um clima tão tenso e estranho. E lógico, raramente alguém está em um desses lugares por um bom motivo. Mas dessa vez, ela estava ainda mais tensa do que o normal. A última vez que esteve no hospital foi pra acompanhar os últimos dias de vida do pai. Não, ele não fora um pai maravilhoso. Principalmente para Will, mas mesmo assim, ela o amava. E o ver morrendo foi doloroso, ela tinha quatro anos a mais que Will, por isso conhecera mais o pai, em uma época em que ele ainda não tinha perdido tudo e se entregado pra bebida. Engraçado, como todas essas lembranças vinham a tona desse jeito, simplesmente por estar em um hospital.

    Agora, ela tinha que se preocupar com o irmão, quer dizer, alguém tentara assassiná-lo. Seja lá por qual motivo. Segundo a polícia, tudo de valor ainda estava no apartamento. Por isso descartaram latrocínio. E ela duvidava que tirando o celular e o notebook, Will tinha algo de valor naquela casa que interessasse mais alguém. A não ser que os quadrinhos dele valessem mais do que eu pensava, pensou ela.

    Seu celular vibrou em seu bolso, ela ficou preocupada, pensando que talvez sua mãe tivesse visto alguma noticia e estivesse ligando para pedir explicações, ela olhou pra visor e viu o nome "Peter" escrito e a foto de um rapaz que até há algumas semanas era seu namorando. Desde a besteira que ele fizera, ele vinha ligando pra ela, provavelmente pra inventar alguma desculpa. Mas Julia não era idiota, e o orgulho jamais ia permitir que ela o atendesse.

    Ela chegou no estacionamento e entrou no seu carro. Pensou por algum minutos no que fazer, e decidiu buscar as coisas na casa do Will logo, só esperava que a polícia deixassem ela entrar lá, do contrário teria que ir comprar alguma coisa. E ela já não tinha mais ideia do número que ele vestia. Depois ela decidiu passar na sua própria casa e tomar um banho. Seu celular vibrou de novo, ela não se deu nem ao trabalho de olhar pra tela, pensando que fosse Peter. Se ela tivesse olhado, teria visto que a ligação era de sua mãe. Ela estava tão distraída que não ouviu uma sequência de ruídos, pelo menos não conscientemente, era a mesma que Will ouviu naquela noite, ela colocou a chave na ignição e deu partida. Foi a última vez que ela fez isso, seu carro explodiu.

    De longe, atrás de uma pilastra, duas silhuetas observavam a cena. Ambas vestiam roupas idênticas, um moletom preto, capuz, luvas, e uma máscara branca daquelas que os gregos usavam antigamente em suas apresentações de teatro. Uma delas dava risada, a outra, não. Mas por trás das máscaras, ambos se deliciavam com o que estava acontecendo. A primeira morte. Enquanto um se deliciava com o simples ato de estar cometendo um assassinato, o outro pensava, "O jogo começou, e só sobrevive quem souber jogar. E não temos vagas pra figurantes. Não mesmo. Julia que o diga".





    Espero que gostem o/

      Data/hora atual: Seg Abr 29, 2024 9:39 am