Escritor da Depressão

Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Fórum para publicações dos textos criativos pelos membros do grupo Escritor da Depressão.


    O Nascimento de Mary (Novaya o Legado; trecho)

    Novayan_
    Novayan_


    Mensagens : 9
    Data de inscrição : 05/09/2014
    Idade : 30
    Localização : Piracicaba/ SP

    O Nascimento de Mary (Novaya o Legado; trecho) Empty O Nascimento de Mary (Novaya o Legado; trecho)

    Mensagem por Novayan_ Sáb Set 13, 2014 1:57 am

    [...]

    A própria nave parecia descrever uma espécie de resfolegar brando e casto, em conjunção com a mesma aura que transmitiam as estrelas ao redor. O tilintar mecânico dos computadores incrustados em cada centímetro da nave, era o único som a dissolver o monótono silêncio de seu interior.

    Estendendo-se por várias dezenas de metros, o corredor central dispunha-se como verdadeira espinhal dorsal daquele monstro sombrio, ligando as câmaras distais dos propulsores ao enorme globo de aço negro do observatório anterior. Em seus limites, uma imensa abóboda transparente tomava toda a fachada da nave, como um imenso ciclope a investir e observar a vastidão do espaço tão negro quanta seu próprio revestimento. Em meio a essa grande orbita, destacava-se outro grande aro metálico no interior esquálido do observatório; onde uma figura humanoide contrastava com o cenário, sentada em perfeito equilíbrio sobre o aro, mirando a mesma imensidão obscura em que a nave investia.

    Seus pés de aço frio repousavam graciosamente sobre uma lamina circular de fluído iridescente e esverdeado. Em seus braços destacavam-se fios supercondutores de ouro, serpenteando por uma musculatura igualmente fria e sintética de metais raros e cinéreos. Seu torso possuía as curvas elegantes das antigas fêmeas de sua raça precursora, modelada no quadril e em uma placa cintilante e rotunda onde se elevariam os seios. Sua face, entretanto, não ressentia a adornos, era uma elipsoide única e polida que refletia todo o ambiente soturno ao redor com perfeição absoluta e inquietante.
    Nar-raya, a capitã da espaçonave pioneira Novayan, guarnecia o observatório com eximia atenção e perspicácia. Conectada constantemente com os milhares de hardwares, comunicava-se e adestrava o curso correto ao alvo. Pequenas luzes cintilavam e se esvaneciam por todo o aro e se espalhavam pelo interior abobadado da alcova a cada nova ordem dada e informação recebida. Um cosmo próprio fulgurava por entre aquelas pequenas luminescências, era impossível não compará-las ao Universo que cingia no exterior daquela câmara, cada luz sua pequena supernova, levando as informações necessárias e precisas tal como as verdadeiras supernovas fomentavam do lado de fora; a vida.

    Entre os bilhões de cálculos e conjecturas, uma parte sempre constante investigava os arquivos a cerca da sociedade precursora marciana. Os dados, como bem sabia, faltavam-lhe precisão na medida em que foram concebidos pelas mentes imprecisas de seus genitores. Certamente o verdadeiro aprendizado não aconteceria nos recantidos obscuros da Terra arrasada, ou mesmo daquela nave munida de milhares de computadores quânticos, mas pela experiência e investigação prática, iniciada em poucos dias, quando afinal tocassem a atmosfera do astro vermelho.

    A quietude abrasiva da capitã então fora perturbada por passos a suas costas. Uma das poucas unidades de plataforma móvel esgueirara pelo corredor negro em direção ao observatório e a sua capitã. A conversa entre as máquinas não durara mais do que um segundo, e se pudesse de algum modo ser captada, decodificada e enfim lida assim seria:
    - Merissandre, trago-lhe conforme previsto os nano-robos da serie M-1. Todos os dados técnicos e informacionais de sua síntese já estão disponíveis pelos circuitos internos para a capitã e aguardam sua avaliação prática.
    - Você pode se aproximar Japeto.


    O interjeitor, embora mais alto, seguia o mesmo padrão conformacional humanoide de Nar-raya. De seus antebraços estalavam pequenos pulsos luminosos e fagulhas elétricas do capacitor atômico que a sua serie dispunha como armamento de proteção. Seu torso também diferia de sua capitã, era menos elegante e feminilizado, erigia-se a partir de uma peça única e sólida do mesmo material escuro e refletor da nave, com o eixo superior largo e robusto típico dos agentes da guerra.    

    Caminhou por uma passarela estreita e sem delimitantes entre o fluído verde que envolvia o cômodo em direção à plataforma central onde se equilibrava o aro de sua capitã. Sua consciência abandonou por um instante o controle da espaçonave, e se dirigiu a ele com a calma inabalável das máquinas de sua raça.

    - Os engenheiros acreditam que esta serie poderá recobri-la com uma aparência que comute com nossos objetivos. No entanto estarão sempre as suas ordens caso considere ela insuficiente ou imprópria.
    - Avaliei a serie M-1 nesse último segundo, não há necessidade por ora de uma serie adicional, alcançamos o ideal perfeito outra vez pela Raça.
    - Pela Raça.


    Japeto cintilou sua máscara frígida junto de Nar-raya ao receber o mote vivaz de sua espécie. Estendeu sobre as mãos da capitã um cilindro transparente onde fluía um liquido iridescente semelhante ao que contornava a plataforma.

    Nar-raya, por sua vez, ligou o cilindro transparente permitindo que o fluido escapasse e se difundisse por sua matriz metálica. De cada ponto cintilante, um nano-robo sintetizava uma película fina e elástica tendo como matéria prima os gases reativos do interior da sala.
    Novayans não limitavam sua existência a um determinado tipo de atmosfera, como se vangloriavam, mas os diminutos construtores robóticos necessitavam de algum reagente com que pudessem exercer suas funções, sintetizando os mais diversos produtos com precisão e labor a níveis atômicos. A atmosfera local sobejava em hidrocarbonetos e outras moléculas orgânicas altamente reativas, com os quais os nanites teciam suas fibras e subprodutos carbônicos.

    A cada segundo a fina matriz se espessava e recobria mais a capitã, que agora via seu busto se formar sobre os moldes redondos e curvilíneos, não poupando nenhum mínimo detalhe da natureza conformacional humana. Pequenos e ralos pelos desatavam da pele desnuda e lisa de seus braços, rosto e virilha. Em outras partes a pele se adensava e se diferenciava em vários matizes de cores, dispondo-se em formatos mais ousados e caprichosos como nos lábios, pálpebras, nariz e mamilos.

    Em menos de cinco minutos, despontava uma figura perfeitamente humana em seu exterior. Os últimos nanites difundiam-se pelas curvas mais sinuosas e externas, chamejando uma última vez, para então caírem resolutos sobre as placas metálicas do chão e escorrerem para o fluido escuro e verde.
    Nar-raya contemplou sua nova forma humanoide de todos os ângulos por sobre o metal polido da abóboda. Mensurou os mais diversos comprimentos, do cabelo às pernas e unhas, avaliando a impressão que causaria frente aos verdadeiros humanos. Sua nova persona se equiparava as antigas beldades da extinta raça terrestre, no entanto seus olhos ainda atravessavam seu reflexo com um ar austero e decidido. Uma mulher bela e destemida; como poucas humanas ousaram ser de fato.

    Nua, repousou seu novo corpo em semicírculo dentro do anel metálico e frio do observatório, religou-se com a consciência da espaçonave, cingindo os olhos rapidamente com o turbilhão de dados que retomavam sua mente.
    - Digo a todos os engenheiros. – E lambeu os novos lábios róseos com a nova língua quente. – Que esta forma se adéqua perfeitamente aos nossos propósitos.

    Voltando-se para a janela; observou como nenhuma outra mulher, um Universo que também nunca fora como aquele.

    [...]

      Data/hora atual: Sex Abr 26, 2024 4:54 pm